2022 e clima: “Não precisamos esperar o futuro, o clima já está mudando”, diz pesquisador

Por Redação Achado Top em 21/01/2022 às 11:15:05

Vivemos em um continente majoritariamente agrícola, em que governos privilegiam o agronegócio frente à preservação ambiental. O uso da terra é um dos agravantes da crise climática na América Latina, especialmente no Brasil? É possível conciliar essa visão de mundo com o combate à crise climática? 

Quando falamos de uso da terra, estamos falando de desmatamento, urbanização e agricultura. Áreas, por exemplo, que são desmatadas para poder criar gado ou colocar agricultura, agroindústria, agronegócio, commodities. Por um lado, precisamos de alimentos, mas, por outro, temos que ver se estamos entrando na Amazônia, se estamos afetando o clima e se eventualmente essa alteração no clima pode afetar o regime chuvoso na região do agronegócio. É um tiro no pé.

Também não podemos esquecer que, quando você fala em uso da terra, você está falando de desmatamento, de implementação de agricultura, mas também de urbanização. Cidades como Rio e São Paulo estão onde antes era Mata Atlântica, e antes era mais chuvoso nessa região. Isso mudou porque mudou o uso da terra.

O próprio agronegócio não deveria ser o mais interessado na preservação, já que disso depende o seu próprio negócio?

Deveria ser, sim, mas o agronegócio, pelo pouco contato que nós temos, entra no que nós chamamos de grupo dos céticos. Eles não acreditam que as mudanças climáticas são verdade porque acham que as pessoas estão culpando o agronegócio, a agroindústria, pela poluição. Ninguém está dizendo para matar todo o gado para não emitir metano, o gás do efeito estufa, mas simplesmente para fazer algo mais sustentável.

Muitos grandes supermercados de fora não estão comprando carne brasileira porque dizem que a carne vem de áreas desmatadas. Pode não ser verdade, mas infelizmente a dúvida nos complica. Falta ao pessoal do agronegócio ter esse tipo de percepção, de como eles também estão sendo afetados. Eles mesmos reclamam de secas — o rio Paraguai está em níveis muito baixos —, e isso complica o transporte de commodities para os portos de Paranaguá, por exemplo. Aí eu tenho um prejuízo econômico. Imagina como será no futuro se for mais seco?

O pior que pode acontecer é essa ignorância, deixar o problema de lado. Temos que ter uma percepção de que o clima já está mudando, já está mais extremo. Não precisamos esperar o futuro, já está mudando no presente. 

Área extensa do agronegócio
Modelo atual do agronegócio “é um tiro no pé”

Cientistas como o senhor vêm alertando para os impactos das mudanças climáticas há décadas. Mas somente quando incêndios florestais destroem vastas regiões, ou quando enchentes deixam dezenas de mortos, parece que a população percebe a gravidade do problema. Nesses casos, parece que se percebe que há uma crise, mas não há nada a ser feito, que é tarde demais. É tarde demais? Já chegamos ao ponto de não retorno?

Dentro do contexto das Convenções para Mudanças Climáticas, as famosas Cops, se chegou em 2015 a uma decisão de limitar o aquecimento global a até 2°C. Com isso o clima vai mudar, mas de uma forma que o ser humano pode enfrentar. Se chegarmos a um aquecimento global superior a 4 °C, as mudanças climáticas serão tão radicais, tão extremas, que talvez a gente, a agricultura, a biodiversidade nem consigam sobreviver. Acima desse patamar é um planeta mais hostil para o ser humano e um mundo que não conhecemos agora. Por isso a pressa para, nas próximas décadas, reduzir a emissão de gases do efeito estufa, o desmatamento.

Mas veio a covid, veio a crise econômica, e a agenda ambiental foi deixada de lado. Cada vez que acontece algum extremo todo mundo fala “ah, as mudanças climáticas, compromissos, a bandeira ambiental”, e depois que acaba só é assunto no próximo desastre. Não é assim que deve ser.

A agenda ambiental é algo que você precisa falar o tempo todo. Porque o meio ambiente está mudando o tempo todo. Estamos em aproximadamente 1,2°C de aquecimento. Se a situação continuar como está agora em termos de aumento do desmatamento, efeito estufa, nós poderíamos chegar em 2050, 2060 nesses 4 °C. Estamos apontando para essa direção.  

O Brasil tem uma capacidade imensa de produzir energia limpa, mas estamos flertando com a possibilidade de um apagão e o governo tem recorrido com frequência às térmicas, movidas a combustível fóssil. Há possibilidade de uma crise energética no Brasil? O que podemos fazer para evitá-la?

O Brasil é um país com 70% da matriz energética baseada em hidroelétricas, é uma matriz limpa, tudo bem. Mas já foi comprovado que a água não é ilimitada. Se falta água, chuva, como aconteceu em 2014 e 2015, a gente entra num regime de escassez hídrica e depende das termelétricas, que são uma energia mais cara e mais poluidora. Aí temos um fator: somos vulneráveis à falta de água.

O que os colegas da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro] falam é na necessidade de um portfólio de energia. Uma combinação entre hidrelétrica, fóssil, eólica, solar, biomassa. Você não pode largar o combustível fóssil de um dia para o outro. É um processo gradativo. O melhor é depender de uma combinação em que tenhamos maior parte de energias limpas e menor parte de combustíveis fósseis. Daí, quando as energias limpas ficam escassas, entra o combustível fóssil no resgate por um tempo, depois volta.

E quais seriam as soluções para a emergência climática no Brasil? 

Dentre as soluções, a primeira e talvez a principal seja a mitigação. Reduzir as emissões de gases de efeito estufa, reduzir o desmatamento em geral, não só da Amazônia, porque isso ajuda o ciclo hidrológico. Pensar em adaptação, pensar em um planejamento urbano para que áreas que são vulneráveis, por exemplo, a extremos de chuva e a desastres não sejam mais no futuro. Pensar em infraestrutura física para elevação do nível do mar. É todo um processo de adaptação e mitigação que o Brasil tem que fazer.

Dentre as soluções, a primeira e talvez a principal seja a mitigação. Reduzir as emissões de gases de efeito estufa, reduzir o desmatamento em geral, não só da Amazônia, porque isso ajuda o ciclo hidrológico. Pensar em adaptação, pensar em um planejamento urbano para que áreas que são vulneráveis, por exemplo, a extremos de chuva e a desastres não sejam mais no futuro. Pensar em infraestrutura física para elevação do nível do mar. É todo um processo de adaptação e mitigação que o Brasil tem que fazer.

A parte da mitigação o Brasil já começou faz muito tempo, mas é importante que tenha também a adaptação. O importante é a percepção de que o clima está mudando, que o clima está mais irregular. Que de fato é um processo natural, mas atividades humanas estão agravando esse processo. E que uma crise climática, uma emergência climática, poderá dar lugar a um risco de desastres muito grande.

O que mata as pessoas não é a chuva, é o desastre natural em consequência de uma chuva intensa para as populações que vivem em áreas vulneráveis. É isso que temos que pensar. Se vai chover mais, temos que começar a reduzir a vulnerabilidade nas áreas periféricas, nas áreas em que pessoas morrem, para que, ainda que a chuva aumente no futuro, não tenhamos mais fatalidades como as que estão acontecendo agora em Minas e no sul da Bahia.

Fonte: Publica

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